Quando pensamos na palavra trauma, a imagem que nos vem à cabeça, imediatamente, é a de uma situação catastrófica, um acidente, uma cena de violência e agressividade dignas de uma película de Hollywood.
Contudo, muitos dos traumas a que somos sujeitos não são acontecimentos assim, únicos, irreversíveis, catastróficos e impossíveis de ignorar.
Muitas experiências traumáticas compõe-se de pequenos episódios disruptivos, que se vão repetindo e acumulando até constituirem um puzzle disforme, uma experiência que, muitas vezes, sem que nos apercebamos, nos tira a auto-estima, nos manda para as portas de uma depressão, nos faz adquirir comportamentos obsessivo compulsivos, entre outros. O perigo deste tipo de situações é que só mais tarde, com ajuda de um profissional ou de bastante trabalho de desenvolvimento pessoal, entendemos que afinal o que considerámos “normal” na nossa infância não era de todo “normal” e que constituiu até uma experiência traumática.
Parece de loucos mas é verdade. A maior parte das vezes, este tipo de experiências, são de difícil identificação essencialmente porque constituem o nosso ambiente “natural”, logo a sua identificação enquanto experiências fora da “norma” está longe do nosso alcance.
E pode ser tão simples quanto um pai que aliena o outro na relação com a criança, ou o simples facto de poder mesmo querer alienar a criança da sua vida.
A verdade é que enquanto crianças, dependemos emocional e fisicamente ainda dos nossos pais, e eles são a nossa primeira grande referência para tudo na vida. A ligação é de tal forma intensa que as crianças acabam por tornar pessoal e quase como sua responsabilidade sua as escolhas dos seus pais.
Desta forma, as respostas da criança, enquanto dependente dos seus pais, estão sempre condicionadas ao ambiente em que estão inseridas.
A falta de amor, de cuidado e de carinho podem gerar respostas emocionais nas crianças que se assemelhem ao seguinte diálogo interno: “Se eu fica calada(o), se me portar bem e não chorar, os meus pais vão gostar mais de mim”.
Claro este é apenas um exemplo limitado do que pode acontecer, mas a verdade é que o impacto que este tipo de comportamentos têm nas crianças é muito grande.
Então de que forma pode o yoga, na vida adulta de uma pessoa que teve experiências traumáticas na infância, pode ajudar?
A verdade é que o yoga, enquanto disciplina da mente e do corpo, ajuda o ser humano a transformar-se e a entrar em contacto com níveis de bem-estar que ajudam a ressignificar a experiência traumática.
E as três grandes razões para isso acontecer são as seguintes:
1- O Yoga obriga-te a mexer o corpo.
Parece óbvio, mas não é assim tanto.
A mente e o corpo de quem passou por traumas cristalizou uma série de respostas neurológicas automáticas que colocam o sistema nervoso em permanente estado de alerta.
Este estado de alerta gera é, naturalmente, resultado de uma cristalização constante de respostas ao trauma. O problema é que estas respostas ficam memorizadas nos tecidos, nos músculos, no cérebro. Por exemplo, sabemos através das medicinas orientais que o nosso fígado é onde armazenamos a nossa raiva não processada. Agora pense, já conheceu alguém na sua vida com problemas de fígado? Será que caracterizaria essa pessoa como uma pessoa que tivesse problemas de raiva? É aí que está a questão. Normalmente, estas duas características estão ligadas.
E afinal, o que tem tudo isto a ver com o movimento?
A resposta é, tem tudo a ver.
Nas medicinas orientais, o corpo é visto também com uma sistema de energia (através das localizações e bloqueios dos meridianos ou nadhis ( uma rede de “fios” eléctricos, uma espécie de auto-estrada energética, que percorre todo o nosso corpo, que liga todos os nossos órgãos e que contribui também para o nosso bem-estar). Se virmos por exemplo a acupuntura, percebemos que há determinados pontos que quando libertos trazem cura e bem-estar ao corpo.
E onde entra o yoga nesta equação?
A melhor forma de desintoxicar o corpo dessas memórias tóxicas é mesmo através da prática de yoga. Ele ajuda-nos a desbloquear essa auto-estrada eléctrica que temos dentro de nós, através da respiração, das torções e das posturas que existem há cerca de 3.000 anos que ajudam a promover o bem-estar e saúde do ser humano.
Há quem confunda o yoga apenas com exercício físico, contudo ele é muito mais do que apenas isso. É um sistema físico e psíquico, científico e comprovado que liberta o corpo de hábitos indesejados, de memórias e de substâncias tóxicas, ajudando a promover a cura e saúde.
2 . O Yoga põe-nos a respirar.
Mais uma verdade que parece muitíssimo evidente, mas não o é.
Todos respiramos. Sem respiração não há vida. Podemos passar dias sem comer, sem beber água, mas se passarmos 5 minutos sem respirar, morremos. Sabemos isso.
Contudo, a qualidade da respiração afecta o nosso sistema nervoso e a nossa qualidade de vida.
O ser humanos tem dois tipos de respiração. A respiração pelo nariz ou pela boca. A respiração do nariz estimula as terminações nervosas da parte inferior dos nossos pulmões, é uma respiração mais profunda, que sinaliza e estimula no nosso sistema nervoso uma resposta de calma, de tranquilidade.
Ao contrário, a respiração pela boca estimula as terminações nervosas da parte superior dos pulmões que desponta a resposta de fight or flight no nosso corpo (ou seja, a resposta de stress).
Qualquer pessoa que tenha passado por traumas na infância (ou mesmo já traumas na vida adulta) sabe que a resposta mais imediata do corpo perante uma situação destas é o bloqueio automático da respiração. Facilmente entramos em apeia, como resposta de auto-preservação ao choque. E mais tarde facilmente desenvolvemos o tipo de respiração superficial que vai afectar ainda mais o nosso sistema nervoso.
A prática de yoga começa precisamente pela respiração. Pela consciência do corpo e da respiração. E por muito simples que pareça (demasiado óbvio até), a verdade é que a respiração feita de acordo com as regras do yoga (passadas pela mão de um experiente professor de yoga) enquanto permitimos que o corpo flua de uma postura para outra de forma livre e sem bloqueios, vai ajudar a libertar o corpo de memórias nefastas, ajudando a criar outras memórias de bem-estar, de alegria e de paz. Esse movimento combinado com a respiração é o segredo para que o corpo e a mente comecem a procurar e a nutrir comportamentos e pensamentos mais amorosos de forma a limpar as memórias de um passado austero e agressivo.
3 . O yoga ajuda-nos a deixar ir o passado
A verdade é que enquanto trabalhamos posturas de equilíbrio no yoga, tendemos a melhorar o nosso equilíbrio na vida. Quando trabalhamos a flexibilidade, tendemos a melhorar a nossa flexibilidade. E enquanto fluímos de postura em postura, aceitando o agora como presente inexorável que é, tendemos a libertar-nos de situações e de memórias tóxicas que nos prendem ao passado, e que nos ajudam a libertar.
Praticar a respiração profunda (referida no ponto 2) ajuda-nos a estimular o nervo vago, que desce da base do nosso cérebro e que se liga a várias extremidades do nosso corpo, passando por vários órgão e tecidos, o que leva a remover do corpo bloqueios energéticos profundos (referido no ponto 1), sem agulhas.
Esta activação do nervo vago, leva-nos a uma resposta de rest and repair, activando o nosso sistema nervoso parassimpático, dando ao corpo sinais de que está tudo bem, de que podemos estar tranquilos e de que é seguro relaxar.
Quando essa resposta é activada o nosso corpo é ajudado a libertar o que não lhe faz bem (como uma escolha natural), como referido no ponto 3.
A palavra Yoga vem da raiz do sânscrito “yuj” que significa dominar, concentrar, juntar. No fundo, o que o yoga faz é trazer à nossa consciência que corpo mente e alma estão ligados e de que todos precisam de funcionar bem para que atinjamos o nosso nível natural de homeostase.
Se ainda não experimentou, não espere mais.